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Foto do escritorDane Souza

Psicodália, 2014 a 2017


Seria bastante injusto resumir quatro anos de cobertura de um festival deste tamanho em apenas um texto. Em teoria, todo o material produzido por mim neste evento já foi publicado, mas se perdeu naquele fatídico blackout que tivemos no servidor do Blumenews.

Nosso primeiro texto sobre o evento foi ainda em 2013, mas apenas no ano seguinte estive lá in loco para acompanhar tudo de perto. Já tinha alguns amigos que lá estariam e consegui credenciamento para trabalhar nos shows, mas nunca tinha precisado montar uma barraca sozinho e, neste ano, fui sozinho.

Parcialmente instalado, fui conhecer a Fazenda Evaristo. E já nos primeiros passos era possível perceber que havia algo de muito diferente naquilo. Parecia que todo mundo havia deixado seus problemas no lado de fora do portão de entrada. E nem tentaremos comparar o público com a herança da cultura hippie, pois havia muito mais que isso lá dentro. Além de paz e amor, havia consciência, união, harmonia e um altruísmo absurdo.

Talvez a primeira parada tenha sido no Saloon, construção de madeira que recebia bandas novas que gostariam de tocar no Palco Livre. E lá estava o Centro da Terra, trio do interior paulista que se tornou um grande parceiro dos eventos que promovemos nos anos seguintes.

Saindo dali, Wander Wildner estava passando o som. Colei no palco e já fiquei maravilhado com o que viria depois, já que acompanhava a carreira solo do ex-Replicante desde seu primeiro disco.

Lá dentro, até o sistema econômico funciona de maneira própria. Cada participante recebe um cartão, que abastecido com dinheiro, é a única moeda aceita na lojinha, na praça de alimentação ou em qualquer bar que vendesse bebidas. Na segunda noite, perdi meu cartão, acho que com R$ 80 de crédito. Procurei ao redor, não encontrei e fui até os Achados & Perdidos. Menos de um minuto depois, me devolveram o cartão. Alguém o encontrou no chão e devolveu sem gastar um centavo. Em que outro lugar, no mundo de hoje, que isso seria possível?

Dentre as atrações do palco principal, destaque para Made In Brazil, Tom Zé, Yamandu, Di Melo, Moraes Moreira, Confraria da Costa e as atrações internacionais Jarrah Thompson e Gong, que indiretamente fez parte da história do Pink Floyd.

Vale lembrar também que, enquanto passava pelo Camping Mutantes, escutei uma voz bastante familiar. E ao segui-la, encontrei a Ninguém Sabe tocando ali, no meio de todo mundo, assim como faziam nos anos anteriores e fariam nos próximos.

Antes de terminar o evento, lembro também de ter visto a Novos Vintages, radicada em Blumenau, se apresentar no Palco Livre. E no último dia, caiu uma chuva em Rio Negrinho que quase levou minha barraca torta embora. Porém, nesse momento o show de Almir Sater fez com que o público mal se desse conta de que estava chovendo.

Seria dispensável relatar aqui que mal consegui desmontar meu acampamento e que fui embora do Psicodália com a barraca carregada nas costas, mas o lamentável episódio não se repetiu nos anos seguintes.

Em 2015, nosso grupo era maior e me instalei junto com a Scarlett, que também tocava no camping. E a estrutura que os caras tinham era impressionante. Lonas enormes, estacas, churrasqueiras, instrumentos, caixas de som e naturalmente um gato de energia puxado de um dos postes.

Outro motivo que nos fazia nem pensar em participar ou não de cada festival era que, com exceção de algumas edições, ele sempre acontecia no mesmo período do Carnaval. Então, trocar o samba e toda aquela libertinagem por overdoses de música e cultura em um local que mal pegava sinal de celular, era a melhor opção possível.

Foi neste ano que comecei a ficar mais atento com a programação das coletivas. Estive praticamente frente a frente com Baby do Brasil e não consegui marcar presença na entrevista de Ian Anderson, que aconteceu fora da fazenda.

Ponto alto para o show sóbrio de Júpiter Maça, que se apresentou com músicos da Identidade e de outras bandas gaúchas que eu já gostava bastante. Idem ao histórico momento em que o ex-Mutante Arnaldo Baptista se apresentou no palco secundário com hits e clássicos que marcaram várias gerações.

Mas talvez o momento que mais tenha me marcado foi a coletiva e a apresentação de Próspero Albanese com toda a obra composta pelo Joelho de Porco. Na coletiva, pedi para que ele autografasse o vinil de um amigo e ele ficou surpreso quando viu o disco. No show, músicas eternas que nem todos conheciam, mas que dançaram como se, literalmente, não houvesse mais amanhã.

O vacilo da vez cai novamente em cima da atração internacional, que era a mais esperada de todo o festival. Durante a tarde daquela segunda-feira, 16 de fevereiro, estava cansado e fui esticar as pernas na barraca. Quando acordei, já estava escuro, mas aquele agradável som de harpa me tirou qualquer preocupação com o que estava acontecendo lá fora. Quando me dei conta de que aquele som vinha do palco e era executado pelo eterno líder do Jethro Tull, já era tarde. Era a última música e fui correndo para o local, mas quando cheguei, percebi que havia esquecido a câmera carregando no acampamento.

Em 2016, novas experiências únicas. Primeiro porque os amigos da Scarlett foram chamados para se apresentar oficialmente no palco montado dentro da praça de alimentação. Depois, porque aquela edição traria ninguém menos que Steppenwolf. Não é todo mundo que pode dizer que já viu “Born To Be Wild” ao vivo, sem que tenha sido um cover.

Além deles, teve Replicantes, Bandinha Di Da Dó, Terra Celta, Nação Zumbi e uma tediosa Banda Mais Bonita da Cidade. Destaque para o poder incontestável de Naná Vasconcelos e para a maravilhosa produção do espetáculo de Elza Soares, que se apresentou sentada por razões médicas, mas que poderia também ser interpretada de outra forma, já que ali estavam a rainha, seu trono e uma admirada legião de súditos.

Minha última cobertura sob contrato com o Blumenews aconteceu em 2017, ano em que até a poderosa RBS se rendeu e mandou alguns jornalistas para a fazenda. A vigésima edição do festival também foi especial por um motivo distinto. Tive a honra de comandar a cerimônia que celebrou o casamento de Carlão e Bruna, mesmo sem um colarinho oficial de padre.

A parte chata é que, com o sucesso e o crescimento do evento, o público deixou de ser ‘selecionado’. Aquela harmonia de antes já não era completa. Vi gente se empurrando e se agredindo, levaram contestação política pro meio do contexto e aquela energia que era pura, infelizmente já estava contaminada.

O line-up? Mais uma vez sensacional. O primeiro dia já começou com Sá & Guarabyra e fechou com ninguém menos que a Casa das Máquinas. Liniker e os Caramelows foram a atração principal de sábado, teve quem gostou. Mas as atrações estavam todas guardadas para o domingo, quando o Palco Lunar teve pela primeira vez apenas uma atração programada.

Simplesmente Ney Matogrosso.

Durante a tarde, estávamos na barraca quando escutamos sua voz inconfundível passando o som, já com algumas músicas que estariam no repertório. Pensamos que certamente a cortina estaria erguida e que ele não estaria ali, de graça, de cara limpa na frente de todo mundo.

Ledo engano. Ficamos a poucos metros de um artista eterno que, enquanto conversava com a equipe ou treinava seus movimentos, estava totalmente acessível. Prova disso é que depois que terminou o ensaio, fui para a lateral do palco e ele passou caminhando em nossa frente, na direção do carro. Tentei registrar o momento com uma foto, mas não consegui acertar o foco e na segunda tentativa, acabou a bateria.

Na hora do show, tinha gente escapando pelo ladrão. Certamente rolou centenas de convites por fora para autoridades locais ou patrocinadores, porque a Fazenda Evaristo nunca havia recebido tanta gente e a capacidade daquele lugar estava visivelmente acima de qualquer nível permitido. Não conseguimos nos aproximar tanto, a locomoção dali pra frente era praticamente impossível e não consegui ter acesso ao espaço dos jornalistas para tirar alguma foto. Fiquei onde estávamos, junto com o grupo, mas estávamos literalmente amassados por quem estava ao lado. Cheguei a ficar sem ar em alguns momentos, mas a apresentação fez tudo valer a pena.

Com um telão digital gigante no fundo do palco, Ney cantou alguns clássicos do Secos & Molhados, mas direcionou seu repertório para seu novo trabalho, que estava ótimo. “Rua da Passagem”, “Incêndio” e “Samba do Blackberry” deram um tempero todo especial junto a “Vida Louca Vida”, “Amor” e “Poema”, de Cazuza.

E tinha mais. No dia seguinte foi a vez de Erasmo Carlos e o Tremendão não deixou por menos. Destilou hits da carreira inteira e foi extremamente simpático com seu público. No dia seguinte, Céu fechou o caixão em grande estilo e no ano seguinte, com dor no coração, não estive presente.

Claro que deixei de mencionar muita coisa. Não citei as ótimas atrações que abrilhantaram o Palco Solar, que ficava metros ao lado do Lunar e recebia apresentações antes e depois das consideradas principais. Ali, o Centro da Terra marcou presença consecutiva depois daquele show que fizeram no Saloon. Também presenciamos a Casa de Orates, que estava com a gente no movimento autoral e coletivo que criamos, além de Ian Ramil, Mar de Marte, Relespública, The Baggios, Quarto Astral (e Sensorial), além de uma bandinha alemã que sempre tocava nas finaleiras e nos fazia pensar que estávamos no meio de um pavilhão da Oktoberfest.

Enfim, o Psicodália não é um festival qualquer. Pelo menos, não era. E por mais que talvez não seja mais possível encontrar aquele ambiente homogêneo que tínhamos antes, ele ainda continua como uma recomendação essencial para quem gosta de música em suas mais variadas formas.

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